Médicos também pesquisam a capacidade que elas teriam de regular o sistema imunológico a ponto de evitar a rejeição.
"Ele não calçava a sandália, não amarrava o tênis, não calçava meia. Mesmo a roupa, ele Não vestia, não tomava banho sozinho. Agora, não. Agora, ele fala: ‘não, mãe. Agora, não. Eu já posso fazer sozinho’", conta Maria de Lurdes Marques, mãe de Diego.
O jovem não conseguia mais andar sozinho. Já a estudante de economia Tatiana Acar, quanto mais comia, mais emagrecia. "Eu estava com muita sede. Eu saía no meio da rua, tinha que parar para beber água, tomar um suco. Eu nem reparava, não sabia nada desses sintomas. Só reparava que estava emagrecendo muito."
No caso de Tatiana, era diabetes tipo 1. Diego desenvolveu esclerose múltipla, de uma hora para outra. O que os dois têm em comum é a equipe médica, um grupo de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, pioneiro na pesquisa de células-tronco para o tratamento de doenças auto-imunes.
O hematologista Júlio Voltarelli, da Universidade de São Paulo (USP), comanda vários grupos de pesquisa que os cientistas chamam de protocolos. O de Diego é desenvolvido em parceria com duas universidades fora do país: uma do Canadá e outra dos Estados Unidos.
"O Diego foi sorteado para o transplante, fez o transplante e faz dois meses e ele não está tendo surto. Vejo esse resultado extremamente positivo. É claro que a gente tem que seguir o paciente durante vários anos, mas inicialmente um paciente que está tendo surtos a cada 15 dias, faz o procedimento e para de ter surtos, a gente fica otimista", afirma Júlio Voltarelli.
Depois de muita pesquisa, os médicos já sabem que o efeito das células-tronco é mais promissor, quando a doença ainda está no começo.
"Aqueles outros que já estão na fase progressiva já têm sequelas. E esses pacientes na fase precoce não têm sequelas. Então, o transplante interrompendo o surto, leva o paciente a ter uma vida praticamente normal. Esse é o objetivo desse projeto novo", explica o hematologista.
Diego e Tatiana estão muito contentes com o resultado, mas, nem por isso esquecem como foi difícil aceitar a idéia de se tornar uma ‘cobaia’ humana. “Eu ficava na dúvida, mas ao mesmo tempo eu falava: ‘já não tenho mais injeção, já estou na última, não tive melhora nenhuma. Então, melhor eu fazer o transplante mesmo’", declara Diego.
Para Tatiana também, era arriscar ou passar a vida sofrendo restrições alimentares e tomando altas doses de insulina diariamente. "Minha cabeça ficou fervendo. Eu não conseguia pensar em mais nada. Eu fui à minha médica de novo para saber o que ela achava, mas ninguém podia falar nada, é uma coisa muito séria para você dar uma opinião que pode mudar a sua vida completamente", conta a jovem.
E ainda tinha que escolher entre dois protocolos de pesquisa: o mais usado, com quimioterapia para zerar o sistema imunológico - o que sempre representa um risco para o paciente - e a novíssima experiência com células-tronco mesenquimais, que acabou sendo a opção de Tatiana.
“O protocolo são oito infusões, e eu já fiz essas oito. Então, eu estou em avaliação, mas eles também querem que eu faça mais, porque eles estão vendo que está tendo resultado, porque está baixando a dose. Então, se eu fizer mais, de repente vou poder baixar ainda mais as doses e parar de tomar a insulina", revela a jovem.
As células-tronco mesenquimais existem em vários tecidos como na gordura e na parede dos vasos. Além do poder de regeneração, os médicos também pesquisam a capacidade que elas teriam de regular o sistema imunológico a ponto de evitar a rejeição.
"O que nós fazemos é retirar da medula óssea e pode ser retirada de outros tecidos, mas no nosso projeto é da medula óssea. E a gente injeta a célula no paciente sem a quimioterapia. Essa que é a grande vantagem", explica o hematologista Júlio Voltarelli, USP.
A irmã gêmea de Tatiana, que doou a medula para a irmã, acabou ganhando destaque no grupo de pesquisa, porque a quantidade de células mesenquimais que se reproduziram em laboratório surpreendeu os médicos.
"Geralmente, quem doava era pai. Como eu sou uma pessoa mais nova, a tendência é ela se reproduzir mais. Então, a minha irmã fez oito infusões e, como sobraram bastantes células, eles pediram para eu doar para outro paciente”, diz Juliana que aceitou doar mais células
É uma revolução em curso. Para ver o que acontecia no organismo de Tatiana, os médicos fizeram uma cintilografia, e essa imagem rara entrou para a história. A expectativa era ver as células-tronco concentradas no pâncreas, o órgão que mais sofre com o diabetes.
Mas elas aparecem mais nos rins e principalmente nos pulmões. É que Tatiana tem asma e a inflamação provocada pela doença pode ter atraído as células-tronco que tem uma vocação anti-inflamatória.
"É isso o que a gente está fazendo: tentando entender esses mecanismos de como a célula mesenquimal estimula outra célula para ela se diferenciar e ter a capacidade de regenerar o tecido", aponta a bióloga Maristela Orellana, da USP.
"Isso agora vai demandar um estudo muito grande, onde nós vamos comparar células-tronco de diferentes fontes, de cordão umbilical, de tecido adiposo, de polpa dentária, de sangue menstrual, e ver qual é a vocação de cada uma para formar tecido. E isso vai ser um passo importante para a gente poder usar em futuras terapias", declara a geneticista Mayana Zatz, da USP.
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