sábado, 2 de abril de 2011

Doença celíaca: que bicho é esse?

Você já reparou nas inscrições "contém glúten" ou "não contém glúten" das embalagens de alimentos? Pois é, não estão lá à toa. São fruto de uma lei que obriga as indústrias alimentícias a identificarem a presença ou ausência dessa proteína. Isso porque o glúten desencadeia uma série de problemas ao organismo das pessoas portadoras da doença celíaca, e não são poucas.
Segundo um estudo apresentado no início de 2007 pela Unifesp, que analisou o sangue de 3 mil doadores, 1 em cada 214 eram celíacos. Seguindo essa média, estima-se que no Brasil existam quase 4 milhões de portadores da doença, a maioria sem sequer desconfiar da sua existência. Um número que merece atenção, pois a doença celíaca é responsável por disfunções que vão desde desnutrição, perda de peso, osteoporose até câncer de intestino. Como os sintomas são comuns a diversos outros males, muitas vezes a pessoa não desconfia que tem a doença e passa anos enfrentando enfermidades e incômodos que poderiam ser evitados com o tratamento. Saiba quais são esses sintomas, como é feito o diagnóstico, as conseqüências da doença, o que acontece ao organismo, qual o tratamento, como pode ser a vida sem o glúten e muito mais!


Como o problema se manifesta

Não é regra, mas o sintoma mais corriqueiro da doença celíaca é a diarréia crônica. Fezes líquidas ou moles de cor clara são sinal de que alguma coisa não vai bem no sistema digestivo. Essa coisa pode ser a não absorção dos nutrientes pelas paredes do intestino delgado, provocada pela patologia. Isso vale para qualquer faixa etária. "A doença celíaca pode se manifestar tanto em bebês, adolescentes, adultos como em idosos", explica o gastroenterologista José César Junqueira, professor e pesquisador da UFRJ. Outros sintomas frequentes são perda de apetite, distensão abdominal e anemia crônica.
"Não se sabe o porquê, mas em alguns casos a prisão de ventre crônica também é sintoma da enfermidade", afirma Junqueira, completando, "certos problemas crônicos sem explicação aparente, que não respondem aos tratamentos, podem ser resultado da doença celíaca, por isso é tão importante médicos e pacientes estarem atentos a essa possibilidade", orienta. Entre tais problemas estão infertilidade feminina, abortos espontâneos de repetição, hepatite crônica, alterações de humor, apatia e até distúrbios neurológicos, como a ataxia por glúten.
"A ataxia (que provoca desequilíbrio motor, entre outras coisas) geralmente é causada por alterações do cerebelo, mas pode também ser desencadeada pela doença celíaca", explica a gastroenterologista Vera Lúcia Sdepanian, professora e pesquisadora da Unifesp, em São Paulo. "Mesmo alterações psiquiátricas como a depressão podem ser uma conseqüência, e um sintoma", ressalta.


Como o intestino absorve nutrientes e o que é a doença celíaca


Entenda o que acontece com o intestino das pessoas com doença celíaca e porque provoca tantos males
1) As paredes internas do intestino delgado possuem vilosidades que são como "braços", responsáveis pela absorção de macronutrientes como proteínas e carboidratos, e micronutrientes, como vitaminas, ferro, cálcio, entre outros.

2) Quando uma pessoa com doença celíaca ingere alimentos com glúten, essa proteína, ao checar no intestino, estimula a produção excessiva de linfócitos intraepteliais, que são anticorpos contra o glúten, principalmente os de tipo IgA.

3) Os anticorpos atuam sobre as vilosidades internas do intestino, que se atrofiam e vão deixando de desempenhar a sua função de captar os macro e micronutrientes.

4) Os nutrientes são eliminados com as fezes. Assim, não caem na corrente sanguínea e não chegam onde deveria chegar, provocando deficiências nutricionais graves.
 

Onde está o glúten



Atenção fanáticos por pães, massas e cervejinha: se for portador da doença celíaca, vai ter que mudar as preferências. Isso mesmo. O glúten está presente no trigo e também na aveia, centeio, cevada, malte e nos derivados de cada um deles. Integram esse abundante grupo os pães, massas, cerveja, uísque e uma infinidade de produtos industrializados que contêm glúten em suas fórmulas.

Em 1992 foi instituída uma lei no Brasil estabelecendo que todos os produtos alimentares que possuem algum desses itens em suas fórmulas deviam trazer na embalagem a inscrição "contém glúten". Em 2003, outra lei determinou que qualquer produto alimentício deve exibir na embalagem a indicação "contém glúten" ou "Não contém glúten". O problema é que a legislação ainda não está sendo cumprida à risca, pois muitas indústrias não possuem tecnologia para realizar exames nos alimentos que identifiquem a presença ou ausência da proteína.

Na tentativa de disponibilizar essa tecnologia e viabilizar a sinalização dos produtos como pede a lei, o departamento de gastrenterologia da Unifesp montou um laboratório que realiza essa medição. "É um trabalho pioneiro no Brasil, que faz a detecção do glúten em qualquer alimento", explica Vera Lúcia Sdepanian, autora da tese de doutorado que resultou na criação do laboratório, em 1999. Assim, as indústrias enviam seus produtos para serem analisados. Se você está pensando em levar um alimento de casa para testar, desista, o laboratório não é aberto ao público em geral.


Tratamento

Não tem jeito, o único tratamento para a doença celíaca é cortar o glúten da dieta. Medicamentos, por enquanto, só em fase de pesquisa. Pesquisadores na Europa estão testando vacinas que atuariam sobre o sistema imunológico do intestino, mas são estudos que ainda precisam percorrer um longo caminho. Até lá, adeus glúten. Em um ano as vilosidades e a mucosa intestinal se normalizam e em poucos dias após corta-lo da alimentação os sintomas desaparecerem.

Parece simples, mas não é. "É difícil, sobretudo para os adolescentes, cortar o glúten da alimentação, e a doença vai se tornando crônica, os problemas vão surgindo", diz José César Junqueira. Para tornar o tratamento mais tolerável, é preciso substituir alguns alimentos favoritos. Entram aí derivados do milho, como amido de milho, farinha de milho, fubá, derivados do arroz, como a farinha de arroz, derivados da batata, tal qual a fécula de batata. "Por sorte no Brasil ainda temos a mandioca, da qual temos farinha, polvilho azedo, polvilho doce e tapioca", acrescenta Vera Lúcia. 


Causas


Eis mais um misteriozinho a ser descoberto pela ciência, pois ainda não se sabe precisar uma causa, ou causas, certas para o desenvolvimento da doença celíaca. O que é possível afirmar, isso sim, é que alguns fatores predispõe para uma pessoa tornar-se celíaca. O primeiro deles é a carga hereditária, a genética. A incidência em parentes de primeiro grau é de 30%, enquanto afeta 4% dos portadores da síndrome de Down. A patologia atinge mundialmente duas vezes mais as mulheres do que os homens e também é mais recorrente em portadores da síndrome de Turner e pessoas com tireoidite.

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